ANDEJO I
Donde vim
toda valia vos ofereço. É gole d’água que vos preparo. É segredo, mas eu conto.
Se não disser tudo, tenho reparo. É para lá, em mim, que regresso. Donde nem um
fio de cacimba podia ser deixado. Assim, vazio de tudo, de mãos abanando,
atravesso tudo quanto é estirada. (Olha ao longe, atenta as distâncias) Vou de
arroio em arroio. Deus-dará que me guie. Se eu me perder me perdoe. Volto donde
parei e vos digo de um tanto sem atropelos. Só tenho como acerto a minha fala e vazões de gentes que moram em meus olhos. É
pouco. Mas é tanto.
ANDEJO II
Nossa mãe,
que é compadecida, afilhada de Nossa Senhora, que me olhe. Na vida o tesouro
que se junta, nem antes nem agora, nem em juramento, é alumbramento. A vida é
voz de Deus e do capeta. Arca de tudo quanto é perda e conquista.
ANDEJO I
Donde vim
é passagem. Adentro entre poeiras. Para lá das nuvens que declinam ao fim dos
campos. Donde vim é travessia. Passagem de toda ventura e combate. Cantiga de
Alzira. Reza de Teodolina. Sussurro de Rosalva ao pé do oratório. Donde vim é
Ave-Maria. Creio em Deus Pai. Salve Rainha.
ANDEJO II
Donde vim
é norte. Cais de toda partida. Anuvieiro de barco e canoa. Locomotiva. Donde
vim é estrada. Armada. Marcada para morrer. Para viver. Não sei. A vida é que
sabe.
ANDEJO I
Donde vim
é norte. Norte é distância. Chão de fé e peleja. Chão de gente que abraça a
vida com toda força e coragem. De gente que não se avexa em perder, tenta.
Alivia. Teima. Alcança. Anda defronte do cipoal. De gente que segue – em bando
– feito arigó pelo mundo.
Vida é o que a vista traz
para dentro dos olhos e guarda na alma | Texto
dramatúrgico de Rudinei Borges