que-se-diga
que-se-diga
caiu no mundaréu
tardinha dessas
no arredor da casa
do beco
só barro no arredor
do beco
toda espécie de barro
branco vermelho amarelo
a mãe ia com uma bacia
de alumínio
no ombro
na cabeça
nossa mãe punha
uma rudia de pano
na cabeça
e a bacia
na cabeça
a cacimba da vó
tinha um jirau de taipas
nossa mãe lavava roupa
toda tarde
na cacimba da vó
toda tarde
até escurecer
o menino sentava
na terra preta
esperava a mãe chamar
pedir água
o menino esperava
com o balde
entre as pernas
pequenas
e olhava o buritizal
quase no céu
o buritizal
e os pombos
acinzentados
dentro do buritizal
o menino jogava
o balde
na cacimba
o menino tirava
água e punha na bacia
uma duas três vezes
até a bacia derramar
sobre as taipas do jirau
e mãe dizer: chega
o menino voltava
para a terra preta
e punha o balde
entre as pernas
e desenhava elefantes
com um graveto
cavoucava a terra preta
procurava ouro
tesouro escondido
mas não havia nada
na terra preta
só brotos de berimbá
no quintal da vó
e goiabas no quintal
do Mundoca
um índio bravo
o menino tinha medo
de encontrar camaleão
no quintal do Mundoca
o menino tinha medo
de encontrar cobra-verde
no quintal do Mundoca
o menino tinha medo
de encontrar marimbondo de fogo
no quintal do Mundoca
por isso o menino ficava
sentado na terra preta
com o balde entre as pernas
e desenhava elefantes
com gravetos
até nossa mãe chamar
e pedir água outra vez
até escurecer
que-se-diga
que-se-diga
quando escurecia
o menino sentava
no sofá da casa da vó
bebia café comia cuscuz
e olhava a vó
com a lamparina acesa
o rádio ligado
o rádio de pilha
uma antena em direção
ao oeste
uma novela
uma novena
ele partiu para sempre
ele não vai voltar, vó?
o menino perguntava
e a vó nunca sabia dizer
volta, sim
todo dia o menino
voltava à casa da vó
e ouvia aquela novela
às seis horas
a ave-maria
às seis horas
até a mãe chamar
vambora
até a mãe dizer
amanhã, outro dia
vambora
até a mãe dizer
amanhã, outra hora
até o menino dormir
na rede da sala
e acordar com o vento
doido diante da lua
amanhã, outro dia
vambora
a mãe vai embora
com a bacia
nos ombros
na cabeça
caiu no mundaréu
tardinha dessas
no arredor da casa
do beco
só barro no arredor
do beco
toda espécie de barro
branco vermelho amarelo
a mãe ia com uma bacia
de alumínio
no ombro
na cabeça
nossa mãe punha
uma rudia de pano
na cabeça
e a bacia
na cabeça
a cacimba da vó
tinha um jirau de taipas
nossa mãe lavava roupa
toda tarde
na cacimba da vó
toda tarde
até escurecer
o menino sentava
na terra preta
esperava a mãe chamar
pedir água
o menino esperava
com o balde
entre as pernas
pequenas
e olhava o buritizal
quase no céu
o buritizal
e os pombos
acinzentados
dentro do buritizal
o menino jogava
o balde
na cacimba
o menino tirava
água e punha na bacia
uma duas três vezes
até a bacia derramar
sobre as taipas do jirau
e mãe dizer: chega
o menino voltava
para a terra preta
e punha o balde
entre as pernas
e desenhava elefantes
com um graveto
cavoucava a terra preta
procurava ouro
tesouro escondido
mas não havia nada
na terra preta
só brotos de berimbá
no quintal da vó
e goiabas no quintal
do Mundoca
um índio bravo
o menino tinha medo
de encontrar camaleão
no quintal do Mundoca
o menino tinha medo
de encontrar cobra-verde
no quintal do Mundoca
o menino tinha medo
de encontrar marimbondo de fogo
no quintal do Mundoca
por isso o menino ficava
sentado na terra preta
com o balde entre as pernas
e desenhava elefantes
com gravetos
até nossa mãe chamar
e pedir água outra vez
até escurecer
que-se-diga
que-se-diga
quando escurecia
o menino sentava
no sofá da casa da vó
bebia café comia cuscuz
e olhava a vó
com a lamparina acesa
o rádio ligado
o rádio de pilha
uma antena em direção
ao oeste
uma novela
uma novena
ele partiu para sempre
ele não vai voltar, vó?
o menino perguntava
e a vó nunca sabia dizer
volta, sim
todo dia o menino
voltava à casa da vó
e ouvia aquela novela
às seis horas
a ave-maria
às seis horas
até a mãe chamar
vambora
até a mãe dizer
amanhã, outro dia
vambora
até a mãe dizer
amanhã, outra hora
até o menino dormir
na rede da sala
e acordar com o vento
doido diante da lua
amanhã, outro dia
vambora
a mãe vai embora
com a bacia
nos ombros
na cabeça
Poema do livro Memorial dos meninos | Rudinei Borges | 2014