Donde vim

dali donde vim
em raios rosados
 
de fins de tarde
dentro dum barco
acocorado
num trapiche
de meninos
que
dançam n’água
com a voz de Deus
e de Sant’Ana
e a voz do mundo
num trapiche
de meninos
que
balbuciam
cantigas e estiradas
nos meus ouvidos
dali donde vim
ontem agora
sempre-sempre
depois e antes
da alvorada
 
para partir e retornar
numa nau uma canoa
minha casa de andorinhas
meu afago de ninhos e mucuins
flor de jambo e ingá
dali donde vim
céu que nunca acaba
rodas são gigantes
e estrelas miudinhas
 
romarias de maio
tomam ladeiras velhas
cidade alta e baixa
 
luz clara de lamparina
breu de boca aberta
anjos vão pelo cais
em bicicletas antigas
entre pilões e quibanos
 
nos meus olhos
sem pranto
dali donde vim


Poema do livro Memorial dos meninos | Rudinei Borges | 2014