Antônio

Andemos rápido, Antônio.
Andemos em vão, em círculo
– antes, então, que os atiradores
arremessem granadas em forma de pão
no precipício. Andemos de costas, Antônio.
No corpo íngreme das ruas,
ventre da procissão assustada. 
Andemos raivosos.
Cálidos, Antônio – andemos. 
Na calada da noite, voz atirada dos sonos, andemos
defronte da multidão. Dentro das alamedas, das calçadas.
Andemos em fileira nos campos, frontes de batalha.
Andemos em comboios, Antônio.  Com as mãos para o alto.
O corpo ao rés do chão, Antônio. Não tenhamos pena. 
O silêncio não é a senha da salvação dos tártaros.
Andemos rápido, Antônio.
Andemos, agora.
Cedo ou tarde eles vêm e nos levam. E nos fecham
em grades, caixas de ferro – escuras. 
E nunca mais vemos o sol.
A lua, as estrelas. Nunca mais a claridão, Antônio.
Andemos, sem medo. Com fome, que seja.
Andemos,
antes que tomem
a tessitura da aurora, raios que vêm das distâncias.
Andemos rápido, Antônio.
Antes que segreguem roças de açucena. 
Antes que levem rosas, cotovias.
Antes que durmam as andorinhas.
Andemos no quartel das escoras.
Andemos no serão das olarias. 
Nas trincheiras do céu minado,
escombros do ar rarefeito.
Andemos rápido, Antônio.
Antes do raiar – que a travessia
amanha os córregos. 
Que a ária é valia sem contas. Que no fim
das passagens, quando não há mais estadia,
o aluvião das veredas descansa
aos pés do dia. E não é mais preciso
andar com pressa, Antônio.

Antônio | Poema do livro Memorial dos meninos | Rudinei Borges | 2014