Em vão revisito o
passado.
Visto retratos antigos
e caminho pelo cais à
procura de um barco
que me leve alhures,
para além das ilhas.
Um barco com redes.
Versos. Reversos.
Chegadas. Partidas.
Que me leve à Manaus.
Belém. São Petersburgo.
Um barco sem leme.
Âncora. Bússola. Roteiros.
Que vá Amazonas dentro,
feito cardume de peixe.
Joio. Grão de
mostarda.
Camelo que passe em
fundo de agulha.
Em vão recrio
quinquilharias.
Enxadas. Facões.
Espingardas.
Conchas. Canecas.
Panelas de ferro.
A bolsa de couro de
Alcides Borges.
O vestido de casamento
de Eva Lopes.
A camisa quadriculada
de Moacir Dias.
A saia em tergal de
Ana Ferreira.
O sapato de Otálio
Rodrigues.
Conserto a cerca. A
janela. A porta.
Colho espinhos.
Amoras.
Limpo a casa. Arrumo a
mesa.
Passo café. Ponho pão
para assar no forno de lenha.
Lavo roupas. Acendo
velas. Lamparinas.
Vou à taverna. Tomo
vinho.
Aguardente. Conhaque.
Fumo cigarro de palha.
Nosso pai volta do
futebol
de domingo.
Nossa mãe enche
cântaros
de água.
O menino ouve música
no rádio:
Uma canção de Noel.
Cartola. Cayme.
Edith Piaf. A vó varre
o terreiro.
Poeira. Cisco nos
olhos. Uma lágrima vem
de repente.
Vida é o que a vista traz para dentro dos olhos e guarda na alma.
Em vão| Poema do livro Memorial dos meninos | Rudinei
Borges | 2014